É cool viver num loft, as praças públicas estão cada vez mais abertas e cheias de nada, um gajo consegue ver uma drogaria-das-novas duma ponta à outra se for suficientemente alto para espreitar por cima dos mostradores dos tachos em inox, até os cérebros de algumas pessoas adoptaram esta moda.
Mas quem ganhou mais com esta inovação foram os empregadores.
O empregador não hesita e derruba paredes.
Derruba paredes como se derrubasse obstáculos, barreiras, entraves e outros sinónimos de dificuldades.
Mas, de surra, de fininho, como o xico, levanta alfândegas, operações stop, controlos, vigilâncias e outros sinónimos de fiscalização.
Quem melhor para vigiar os seus trabalhadores do que os seus trabalhadores?
Porquê ter de pagar mais a alguém que vigie o trabalho de outros dez, quando podem ser os dez a vigiar-se uns aos outros?
No tempo das paredes, o superior entrava nos gabinetes e certificava-se que um gajo não estava no farmville ou a falar com a Jessica da linha de valor acrescentado ou na sala das fotocópias a tirar fotocópias (a cores) do rabo.
Hoje em dia, no tempo do tudo-ao-molho, a máquina fotocopiadora fica no meio dos open space e os dez trabalhadores vigiam-se mutuamente para poderem ir dizer ao chefão que, por exemplo, em vez de estar a dar no duro, o Zé estava ao telefone com o filho a explicar-lhe como é que se põe betadine na ferida e que a Maria estava ao telefone com a mãe a perguntar-lhe em que hospital estava o avô, para ir lá ter assim que conseguisse despachar o serviço.
Dividir para reinar.
Ou, derrubar paredes, para reinar.
Somos tão modernos, tão fashion, não precisamos de paredes nem de barreiras físicas.
Pois claro.
Sendo o homem o lobo do Homem, vai ser o Rui a denunciar o hábito que o Manel tem de ler o Calvin no Público online.
E um gajo nunca quer ser o primeiro a sair, porque, ao sair, toda a gente sabe que surge do tecto falso uma espécie de holofote dos recursos humanos, que fica ligado, a apontar para a cadeira vazia, até que o chefe também saia.