terça-feira, março 24, 2009

Palavra d' Honra

Já sabia que ia morrer.
Já sabia.
Porra.
Pelo cenário, pelos intervenientes, pela conjuntura, conjectura e pela sua cabeça dura.
Viu a vida toda a passar-lhe à frente dos olhos.
Como nos filmes, como no que lhe contou o Arnaldo Beto sobre o que viu enquanto teve aquele AVC e depois esteve três dias deitado de boca aberta em Santa Maria.
Tudo apontava para a sua morte.
Viu a escola onde andou, o jardim onde brincou, as ruas onde passou a maior parte da sua vida.
Tudo desfilava à sua frente, um filme pessoal, onde ele era protagonista e o resto do Mundo o cenário.
E tudo isso pela janelinha arredondada.
"Palavra d'honra, que maneira de avisar um gajo."
Ali estava tudo, a copa das árvores às quais subiu em miúdo, os bancos que faziam de balizas, o telhado da padaria onde trabalhou toda a sua vida, a cruz da Igreja onde ia à missa, o estádio onde viu o seu neto fazer reviengas aos adversários, o lago para onde atirou o Martins depois de o ter pontapeado nos tomates.
Tudo.
Já sabia que ia morrer, já sabia.
E mais certezas teve quando o comandante proferiu o discurso final:
"cabin crew, 2 minutes for landing".
Não sabia o que queria dizer exactamente essa frase, mas claramente era um aviso.
Era "o" aviso.
E vindo ele do céu, mais vinculativo e coerente não poderia ser.
"Vamos cair."
Pronto, esperava que fosse rápido e pouco doloroso.
Ou rápido e muito doloroso, lembrando-se dos berlindes que roubou ao Tóni no 1º ciclo.
Fechou os olhos, lembrou-se dos últimas imagens da sua vida que viu pela janelinha arredondada e amaldiçoou o momento em que se deixou convencer pela mulher a entrar naquele maldito aparelho pela primeira vez.
Primeira e última, estava-se mesmo a ver.
Flaps, rodas, cabrum, breaks.
"E há 3 semanas que não me confesso, caraças. Vamos lá ver se vou lá para cima ou lá para baixo. Palavra d' honra..."

Sem comentários:

 
origem