- Andreia! - gritou o homem. Sabia que estava mal, sabia que precisava de ajuda. Sabia que deitar sangue assim quando tossia não era bom sinal.
- Chama-me o Domingos. Liga-lhe do meu telemóvel, tenho lá o número, procura na letra "D".Claro, procurar na letra "D" por alguém chamado Domingos era evidente. Mas para ele não era, porque era ele que estava mal e era ele que precisava do Domingos.
- Mas oh Fred, ligo para o Domingos para quê? Tu precisas é que eu ligue para o INEM.- Liga-me para o Domingos, se me fizeres o favor, ok??
O Domingos era um antigo colega de escola, daquele tipo de escola que agora é uma fábrica, daquele tipo de amigos que aparece aos 10 e 11 anos e se mantém até hoje. Daqueles com quem se vai falando cada vez menos, mas daqueles que parece que é de sangue, tal é o nível de confiança.- Oh Fred, tu sabes lá se o Domingos é bom médico ou sabes lá se ele copiou todas as cadeiras, homem...
- Liga-me já para o Domingos, caraças!!
E a Andreia ligou. E o Domingos mandou-se ao caminho, tal como o Fred esperava. Esperava agora saber por experiência própria se o Domingos era assim tão bom médico como o Fred esperava.
- Se tivesse vindo o INEM, já estavas em Santa Maria... és tão teimoso, Fred.
- Andreia... importas-te que eu decida o que é que é melhor para mim?
E tossia. E o sangue voava. E o sangue manchava mais um guardanapo de pano que a Andreia lhe passava.
- Oh Andreia, não me dês guardanapos de pano, que estas nódoas não saem... dá-me os panos de limpar o chão ou papel de cozinha, caraças.
- Mas o papel de cozinha ensopa logo...
- Então - e o sangue voava - dá-me os panos de limpar o chão.
E o Domingos a caminho, sem saber bem ao que ia. Tinha recomendado ao Fred que fosse para Santa Maria, como sugeria também a Andreia, mas o Fred parecia que tinha feito uma aposta com o diabo em como o Domingos o safava, mesmo sem o Domingos saber ao que é que o Fred o chamava.
- Ele deve estar quase aí, onde é que ele mora, Fred?
- Mora ali para Benfica.- Ele deve estar quase aí, onde é que ele mora, Fred?
- Oh Fred... com o trânsito que está a esta hora... não é melhor chamar mesmo o INEM?
- Confia Andreia, que a coisa está feia, mas o Domingos remedeia.
- Não deves estar assim tão mal, se te pões com rimas dessas...
- Isto rimou? - e o sangue de repente, em vez de voar, jorrou.
- Fred!! Oh Fred, porra, que teimoso, vou chamar o INEM.
Mas o Domingos tocou à porta. E subiu a voar. E o Fred sabia que o Domingos o ia safar. Sempre se deram bem, o Domingos sempre foi aluno exemplar, sempre foi uma pessoa cheia de princípios, desde pequenino e desde pepino, de certeza que não tinha mudado muito, com o passar dos anos. E de certeza que tinha terminado o curso com distinção e que nunca tinha deixado morrer um irmão.
- Então Fred, que se passa contigo? Este sangue todo é teu?
- Olá Domingos, como é que vai isso? Pá, é meu, era meu... Esta merda parece um rio cada vez que tusso.
- Porque é que não chamaste o INEM, Fred? Vamos já descer, vamos no meu carro, tens de ir já para Santa Maria.
- Era o que eu lhe dizia!
- Andreia, agarra-o desse lado que eu agarro deste lado.
- Fred! Mantém-te acordado - e ele já de rosto meio fechado.
- Fred!! - gritava a Andreia.
- Domingos, meu amigo, vais-me safar, não vais? - gemeu o Fred, como a dor manda.
- Claro, Fred, vamos, aguenta-te mais um bocado, anda.
Mas o Fred não se aguentou e deixou-se cair. E o Domingos incrédulo e a Andreia a carpir. Ambos a olhar para o chão, para o corpo morto do Fred, teimoso como um burro, já de olhos fechados, mas ainda assim casmurro.
- Porra, Fred... - chorava a Andreia com os pulmões a rebentar, sem saber como remediar.
- Porra, Fred... no estado em que estavas, nunca te conseguiria safar.
2 comentários:
Foi a gripe suína que lhe deu?
ahahahaha... genial. (tenho um gajo a ressonar aqui ao lado e como vivo num espaço de 8 metros quadrados não consigo dormir)
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